sábado, 16 de julho de 2011

Processo eletrônico pode padronizar petições

POR ALESSANDRO CRISTO do site Consultor Jurídico
A advocacia está às portas de uma revolução. O casamento entre o
processo eletrônico e o número cada vez maior de litígios na Justiça
pode ter como consequência uma pasteurização das petições. Sistema
criado pelo Conselho Nacional de Justiça para informatizar ações, o
Processo Judicial Eletrônico (PJe) já prevê modelos de pedidos para
facilitar a vida de juízes e seus assessores. O intuito é economizar
tempo e concentrar a atenção de quem julga no que a parte realmente
está requerendo. Para quem considera a advocacia uma arte, no entanto,
a tendência pode significar o cerceamento de um trabalho intelectual
por natureza.
Questões trabalhistas serão as primeiras expostas à mudança. Até o fim
do ano, o sistema deve estar funcionando em todos os Tribunais
Regionais do Trabalho do país, de acordo com o juiz assessor da
presidência do CNJ Paulo Cristóvão Silva Filho, que acompanha a
instalação do PJe (na foto, o juiz fala em sessão que lançou o
sistema, em junho). Para recursos no Tribunal Superior do Trabalho,
por exemplo, já há modelos de petições disponíveis.
"A Justiça do Trabalho vai formularizar alguns pontos, mas não obrigar
a utilização do modelo", afirma. "A objetivação vai acontecer nos
processos que são comuns, de massa." Com a novidade, será possível ao
advogado saber, inclusive, a porcentagem de sucesso de petições
idênticas em todos os tribunais do país. "Vamos reunir algumas
informações básicas também para verificação de prevenção nacional",
explica.
A princípio, apenas as cortes laborais adiantaram a intenção. Nas
demais, os advogados poderão subir seus próprios modelos de petição
para o sistema, por meio de login pessoal. "Ainda não estamos
culturalmente preparados para uma pasteurização. Seria uma imposição
ao advogado", avalia Paulo Cristóvão. "A advocacia mais artesanal vai
existir sempre. Ela é o nascedouro das ações de massa."
Não é esse o prognóstico de um dos advogados que acompanha a
implantação do PJe pela Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Fernando
Martins Castro, do escritório Martins Castro Monteiro Advogados.
"Hoje, o modelo tradicional de advocacia que conhecemos não dá mais
conta da demanda. Essa seria uma forma de dar uma vazão mais rápida",
afirma Castro, que é membro da Comissão de Informática do Conselho
Federal da OAB.
Muito da mudança se deve às novas gerações que têm desembarcado na
profissão, como avalia o advogado, que também é doutor em Direito e
Informática pela Faculdade Montpellier, na França, e mestre em Direito
Civil pela USP. "A juventude tem outra dinâmica, o que pode se ver
pelas redes sociais. É uma forma de se expressar mais superficial, mas
não necessariamente pior. É apenas uma mudança de paradigma verbal, de
representação dos fatos", diagnostica.
A Lei de Processo Eletrônico — Lei 11.419, de 2006 — exibe esse traço,
segundo ele. "É possível juntar um vídeo ou um documento eletrônico em
vez de uma petição de 40 páginas", diz. "E hoje, no país, 4% dos
processos já estão em meio exclusivamente digital."
Solução prática
Petições extensas são um problema, por exemplo, em tribunais
superiores. É comum a prática de alguns ministros de estabelecer
quotas semanais de processos por assessor, no intuito de não deixar o
acervo acumular. Só no TST, por exemplo, entram em média mil recursos
diariamente. "Considerando as metas propostas nos gabinetes e a
produção semanal, costuma-se despender, em média, 30 minutos em cada
caso", explica o professor de Direito do Trabalho Gáudio Ribeiro de
Paula, que dá aulas nas Escolas Superiores de Advocacia de Brasília e
São Paulo. "Os mesmos 30 minutos serão gastos para ler dez ou 100
páginas", alerta o professor, que trabalha como assessor de um dos
ministros da corte. "A objetividade é uma virtude essencial."
Nos cursos que ministra, Gáudio dá dicas sobre como ser direto sem
deixar informações importantes de fora. "É imprescindível decompor
didaticamente as ideias estruturando, de forma ordenada, temas ou
tópicos em capítulos, destacando aspectos relevantes com recursos como
o negrito e o sublinhado, que devem se limitar ao essencial." O velho
costume de se usar expressões em latim, por exemplo, já é uma gafe.
"Diante do volume surreal de processos, seria como exigir de um
soldado que mantivesse engraxados os seus sapatos durante um
bombardeio."
Alguns ministros também não gostam da prolixidade. "Já vi uma censura
expressa em um voto de uma ministra do TST no caso de um advogado que
redigiu uma petição de mais de 500 páginas", conta o professor, que
ministra curso sobre o assunto no dia 10 de agosto na ESA-SP, com
abertura feita pelo ministro do TST Ives Gandra da Silva Filho. "Tenho
citado nos cursos o exemplo de um advogado trabalhista de grande
renome que, em geral, redige seus Embargos Declaratórios em uma ou
duas páginas, e tem obtido grande êxito em suas causas", diz de Paula.
"O advogado precisa traduzir a questão de uma maneira sucinta para
permitir ao juiz gastar tempo com o que interessa: ter uma percepção
razoável da situação", concorda Luiz Fernando Castro. Segundo ele, em
meio a centenas de recursos julgados em bloco numa única sessão pelos
tribunais, o grande desafio é garantir que o pedido seja realmente
lido.
A dinamização dos julgamentos pode interessar não só a julgadores, mas
também a advogados, principalmente os que atuam em causas repetitivas.
"Tenho um amigo gestor de processos sobre cartões de crédito em um
banco que me disse: o caso curioso você me conta no chopp; no meu
trabalho, o que interessa é quanto tempo a Justiça demora para julgar
e qual é a média de ganho das causas", conta Castro. Faz todo sentido,
levando-se em conta as avaliações feitas pelas instituições
financeiras quanto à recuperação de dívidas e custo dos processos.
No entanto, levar a lógica capitalista para dentro da Justiça pode
tirar o foco de quem é o alvo das decisões: as pessoas. "O processo
não é um estorvo, uma decisão não é um produto e o Judiciário não é um
supermercado", alegoriza um pessoa que já trabalhou como assessor de
desembargadores e de ministros de tribunais superiores. Embora no
gabinete em que atue não haja fixação de quotas semanais, ele afirma
já ter passado pela experiência ao trabalhar para um ministro no
Superior Tribunal de Justiça. "Como cidadão, não gostaria de ter o meu
processo tratado como uma mercadoria nas mãos de um despachante
aduaneiro, que diz apenas se estou no código amarelo ou vermelho."
Reféns da mudança
O processo eletrônico pode fazer outra vítima. A possibilidade de se
mandar uma petição por meio digital para todo o Brasil, pelo menos em
tese, ameaça a atividade dos escritórios que atuam como
correspondentes em estados fora do eixo Rio-São Paulo. Hoje
responsáveis pela protocolização de petições e controle de andamento
de processos de grandes bancas, esses profissionais podem ter de se
restringir ao contato com os julgadores locais em causas específicas e
de maior importância.
"Bancas com grande volume de ações e necessidade de reduzir custos
podem optar pelo modelo eletrônico, diante de um Judiciário que julga
rápido e bem", considera Luiz Fernando Castro. "Pelo menos 50% do
movimento processual dos fóruns tende a virar produção em massa, o que
não é ruim, se oferecer um grau razoável de certeza e segurança."
Hoje, para peticionar mais de cinco vezes por ano em outro estado,
segundo a lei, o advogado precisa obter inscrição suplementar na OAB
local, e pagar a anuidade da entidade — o que não representa
exatamente um obstáculo.
Quem também tende a sucumbir diante da informatização são as atuais
regras processuais. Como cada tribunal disciplina o próprio
procedimento, há uma infinidade de instruções a serem seguidas por
quem conduz uma ação. Muitas delas superam as previsões dos Códigos de
Processo. "Há limitações de tamanho para as petições, de quantidade de
documentos, de horários de funcionamento, e marcos para início da
contagem de prazos e constatação do seu cumprimento", exemplifica
Castro.
Demonstração disso é a própria exigência da certificação digital para
o ajuizamento. "A lei prevê apenas que o impetrante seja advogado",
lembra o especialista. "Em São Paulo, isso não assusta, mas e no Acre?
Além disso, hoje quem não tem banda larga não consegue advogar por
meio eletrônico."
No TST, segundo Gáudio de Paula, o tamanho limite de arquivos com
documentos é de 2 megabytes por processo. O Tribunal Regional do
Trabalho da 24ª Região, em Mato Grosso do Sul, estipulou o número
máximo de 40 páginas para as petições iniciais.
De acordo com Paulo Cristóvão, apenas a Justiça Federal de São Paulo
tem instalado o PJe. O Tribunal de Justiça do estado também aderiu,
mas ainda está desenvolvendo o projeto piloto do sistema. A produção
também caminha nos Tribunais Regionais Federais da 3ª e da 5ª regiões,
assim como nos Tribunais de Justiça de Pernambuco e da Paraíba. O
Tribunal Regional Federal da 2ª Região deve homologar sua versão no
CNJ em setembro. O sistema ainda vai ajudar o Conselho a colher dados
para o levantamento anual Justiça em Números — que avalia a
litigiosidade e a produtividade em todas as cortes —, o que deve
diminuir o trabalho dos juízes em passar essas informações.

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