sexta-feira, 17 de julho de 2009

Possibilidade de aplicação da multa do art. 475-J do CPC na execução provisória

Por: José Carlos dos Santos[i]

Questiona-se acerca da possibilidade de aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC também na execução provisória. Há doutrina divergente sobre o assunto. Mas, tem-se que a questão é mais simples do que transparece.

Para responder à questão deve-se a todo momento ter em mente a tônica das últimas reformas realizadas na legislação processual civil. É preciso uma mudança de mentalidade sobre o tema[ii]. A atual sistemática da execução não comporta mais a excessiva proteção do devedor em detrimento da satisfação do credor e da efetividade dos provimentos judiciais.

Não é mais aceitável que o Direito Processual Civil queira “importar” do Direito Processual Penal o princípio da presunção de inocência para o devedor. A questão no âmbito cível é mais prática, é a realidade do dia-a-dia. Para se verificar a viabilidade da plena aplicação da multa do art. 475-J do CPC, basta constatar o percentual de ações em que o autor não tenha razão em buscar a tutela jurisdicional.

Ora, a prática do cotidiano mostra que o comum, o que se deve presumir é que o credor de fato tenha sido injustiçado com o não cumprimento da obrigação, tendo de buscar o Poder Judiciário para resolução da questão. Durante o processo o réu utiliza-se de todos os meios de defesa possíveis, com interposição de vários recursos. Sobrevém o trânsito em julgado da sentença, confirmando o direito do autor. O requerente, agora, deve buscar a tutela executiva a fim de satisfazer seu crédito, que já foi amplamente debatido.

Nas demais hipóteses a presunção é legal, pois a obrigação vem representada na forma de um título que a lei tem por legítimo para comprovar o não cumprimento da obrigação e a promoção da execução.

A multa prevista no art. 475-J do CPC é um instrumento inovador para desestimular a procrastinação no processo de execução. Deve-se enxergar a aplicação desse instrumento da forma mais ampla possível. Contudo, tem-se observado no meio jurídico certa resistência ante a praticidade emprestadas a alguns dispositivos com a reforma. Muitos parecem enxergar o que não existe só para não ler o que está escrito de forma clara pela lei.

O art. 475-J[iii] trata expressamente da aplicação da multa para quando houver determinação judicial para que o devedor pague (condenação) e este não a cumprir. Por seu turno o art. 475-O dispõe expressamente que a “execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva...”.

Nesse sentido se posicionou a jurisprudência do TJRS (Agravos de Instrumento 70021753413 e 70023987233), do TJSP (Agravo de Instrumento 7274306500), do TJRN ( Agravo de Instrumento 2007.005908-0) e do TJMS (Agravo Regimental 2008.024454-1/0001.00). E embora ainda não haja manifestação colegiada do STJ, Cassio Scarpinella Bueno[iv], dá notícia de decisão monocrática proferida pela Ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do STJ, na Medida Cautelar n. 13.395/SP admitindo a aplicação da multa do art. 475-J do CPC à execução provisória.

A lei busca resgatar a credibilidade dos provimentos judiciais em primeira instância, para que de fato haja o cumprimento das decisões judiciais. Acaso se pensasse diferente não haveria sentido nem se estabelecer o instituto da execução provisória, se as determinações judiciais e legais que a amparam não têm nenhuma força coercitiva, se não se pode valer do principal instrumento de coerção para cumprimento das obrigações instituído pelas recentes reformas.

Deve-se admitir a existência de risco de decisões injustas e de se provocar prejuízos ao devedor, mas esse risco deve ser assumido pela sociedade. Diferentemente do sistema penal, onde se deve evitar ao máximo a existência de decisão injusta, no âmbito cível esse risco deve ser aceito em nome da fluidez e da exigibilidade das obrigações.

Não se pode admitir uma inversão de valores no âmbito social. Não é aceitável que para proteção contra hipotética decisão injustiça contra o devedor, seja todo o ordenamento jurídico posto em detrimento aos direitos do credor: aquele que tem o direito, que foi de fato injustiçado pelo devedor, que amargou o prejuízo, que espera do Poder Judiciário uma resposta rápida e efetiva.

Ademais, deve-se observar que o art. 475-O do CPC busca minimizar os riscos da execução provisória, dispensando a caução em casos de justificada necessidade ou naqueles em que se tornam mais improváveis a alteração do provimento favorável ao credor.

Observados os requisitos do dispositivo mencionado, a execução é procedida tal qual a decisão definitiva. Aplicáveis, portanto, todos os meios de tutela disponíveis na legislação processual, inclusive com a aplicação da multa prevista no caput do art. 475-J do CPC, que não dispõe ser limitado somente à execução definitiva.

Pensar diferente é o mesmo que admitir que a execução provisória é uma pseudo-execução, na qual não se obtém a satisfação dos direitos do credor, eis que diminutos os instrumentos de coerção disponíveis para que o devedor cumpra com sua obrigação.

Certamente não é essa a tônica das recentes reformas da legislação processual civil. O Brasil necessita de um Poder Judiciário com credibilidade, cujas decisões exaradas pelos seus membros, especialmente aqueles que primeiro e mais detiveram contato com a causa, tenham eficácia, que sejam mais cumpridas e menos discutidas.

Não se adquire respeito privilegiando quem descumpre suas obrigações em detrimento daquele que honra seu dever. Isso não faz transparecer a observância a direitos e garantias, mas que não vale à pena zelar pelos compromissos firmados, pondo a sociedade em risco de uma severa crise de valores morais.

A Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005, afasta-se desse risco, por meio da observância do cotidiano, olhando para o que de fato ocorre na sociedade, buscando a “modelagem do real”, na expressão de Barbosa Moreira, citado por Athos Gusmão Carneiro[v].

E a execução provisória faz parte desse contexto, observando que em regra quem promove um processo judicial já o faz na certeza de que foi lesionado, que em regra a sentença reconhece essa lesão e o direito de o autor ser reparado, que na maioria dos casos os recursos confirmam as sentenças; teve-se por bem, em determinados casos, possibilitar a antecipação das medidas que permitem a efetiva satisfação do credor.

Nada mais justo, que na execução provisória, para ser de fato efetiva, que se possa valer de todos os instrumentos inovadores trazidos pela lei para eficácia das decisões judiciais, ainda que estas não tenham transitado em julgado.


[i] Bacharel em Direito. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela UNISUL/IBDP/REDE LFG

[ii] Nesse sentido, que Athos Gusmão Carneiro cita o seguinte trecho de artigo de Kazuo Watanabe “É de fundamental importância a mudança de mentalidade que seja capaz de rever as categorias, conceitos e princípios estratificados na doutrina dominante, pois somente assim poderão ser extraídas desses dispositivos todas as conseqüências possíveis para a modernização de nosso processo civil” (Kazuo Watanabe, RePro, 155/169), In: O princípio sententia habet paratam executionem e a multa do artigo 475-J do CPC, disponível em: www.direitoprocessual.org.br.

[iii]Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

[iv] Novas variações sobre a multa do art. 475-J do CPC, disponível em: www.direitoprocessual.org.br.

[v] Do “cumprimento da sentença” conforme a Lei n° 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? In: Revista Forense n° 385, págs 51-71.

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