domingo, 28 de junho de 2009

Debates sobre a capacidade postulatória na Justiça do Trabalho

Dois pontos de vista sobre a capacidade postulatória das partes na Justiça do Trabalho. Ambos artigos foram publicados no endereço eletrônico do Campo Grande News. O primeiro é do Analista Judiciário do TRT/MS, pós graduado em Direito do Trabalho, Silvio Henrique Lemos; e o segundo é do Presidente da OAB/MS, Fábio Trad.

Advogado não tem monopólio do direito de ação

Sexta-feira, 26 de Junho de 2009 10:45

Por Silvio Henrique Lemos (*)

O Jus Postulandi é a capacidade da própria parte de acionar ou defender-se em juízo sem a necessidade de advogado. Vem sendo alvo de severas críticas por alguns operadores do direito, especialmente por profissionais da advocacia, que defendem sua extinção do ordenamento jurídico brasileiro.

O ponto alto da argumentação seria que o exercício dessa possibilidade processual, retira da parte o direito de usufruir efetivamente a ampla defesa e o contraditório, trazidos na Constituição Federal de 1988, já que, a partir da promulgação desta, o profissional da advocacia passou a ser indispensável para a administração da justiça.

Lamentavelmente, a Defensoria Pública da União não atua junto a Justiça do Trabalho, omissão estatal que afronta a Constituição do país, resultando em grande prejuízo ao trabalhador carente.

Isso porque, se o empregado economicamente desfavorecido, fizer a opção de contratar os serviços de um advogado para patrocinar sua causa na Justiça do Trabalho, terá, em regra, que abrir mão de parte do seu crédito para custear os honorários desse profissional.

Se não bastasse, verdade é que, existem situações em que o cidadão carente, mesmo desejando ter sua demanda assistida por um advogado, não encontra profissional que aceite o patrocínio, por ser o valor da causa considerado pequeno, o que influencia diretamente na remuneração do advogado.

Para se ter uma idéia, numa causa de R$ 500,00, os honorários advocatícios contratados seriam, no máximo, de R$ 150,00 (30%).

Assim, em causas dessa natureza, tal remuneração parece não ser suficiente para cobrir simples gastos do advogado, como o deslocamento até o fórum e a impressão da petição, por exemplo.

A partir desse cenário, questiona-se:Como o trabalhador poderia bater às portas da Justiça, diante da rejeição do advogado em patrocinar sua reclamação? Seria justo que esse empregado tivesse seus direitos "enterrados" por serem considerados de pequeno valor?

Exatamente aí é que reside a importância da possibilidade oferecida à parte, pela legislação do trabalho vigente, de reclamar perante o Judiciário Trabalhista, mesmo sem advogado.

Em Mato Grosso do Sul, na Justiça do Trabalho, especialmente na capital, o trabalhador tem a sua disposição o Setor de Atermação, que funciona no Fórum Trabalhista Ramez Tebet e conta com servidores da carreira de analista judiciário, admitidos via concurso público, diga-se, de alto nível intelectual, graduados em Direito, com especialização na área, e capacidade técnica apta a prestar orientação jurídica e elaborar petição inicial de reclamação trabalhista, se este for o caso.

Quando o cidadão busca os serviços prestados pelo Setor de Atermação, é orientado, de pronto, sobre as vantagens de contar com o patrocínio de um profissional da advocacia para ajuizar sua causa. Porém, caso o objeto da reclamação consista em uma demanda de natureza simples, especialmente de pequeno valor, como, por exemplo, pedido de apenas verbas rescisórias, se a parte optar por ter sua reclamação verbal reduzida a termo, este é lavrado e encaminhado para o juiz do trabalho, como forma de petição inicial.

Já as causas de maior complexidade, que dependam de defesa de teses jurídicas, são encaminhadas para um plantão de profissionais da advocacia, coordenado pela Associação dos Advogados Trabalhistas de Mato Grosso do Sul, com funcionamento na sala destinada à OAB, no prédio do foro.

Vale destacar que, o grande volume de atendimentos realizados no Setor de Atermação, consiste em orientação jurídica à população carente, sendo o ajuizamento de ações trabalhistas, exceção.

Aliás, a prática regular, pela classe dos advogados, de prestar orientação jurídica gratuita à população menos favorecida, certamente, seria também bem aceita. E por que não aproveitar as próprias salas destinadas à OAB nos diversos foros para fornecer esse serviço?

É razoável e plenamente compreensível que o advogado, profissional liberal que é, tenha total livre arbítrio sobre o seu ofício, escolhendo o patrocínio da causa que melhor lhe convier. Entretanto, o que se repreende é o teor demagógico do discurso, objetivando fazer crer que a principal preocupação, ao defender o término do Jus Postulandi na Justiça do Trabalho, é conservar a observância integral da ampla defesa e do contraditório ao cidadão, que teria, sem a possibilidade que atualmente lhe é proporcionada, obrigatoriamente, que demandar na Justiça por intermédio de advogado.

Entende-se que a respeitável classe, sem dúvida, indispensável para a administração da justiça, em vez de concentrar seus esforços direcionando críticas e buscando o extermínio dos setores de atermação, deveria exercitar sua força política para lutar perante o Governo Federal pela implementação da Defensoria Pública no Judiciário Trabalhista, como forma de cumprir o que determina a Constituição Federal. Esta sim seria uma iniciativa louvável que refletiria em algo concreto e demonstraria a real preocupação da classe pela manutenção da garantia dos direitos constitucionais do cidadão.

É certo que sem assistência de advogado, a parte fica mais vulnerável diante do oponente acompanhado de um profissional. Contudo, não é com a extinção do Jus Postulandi que isso será solucionado. Pelo contrário, estar-se-ia sacrificando mais um mandamento constitucional: a garantia incondicionada de acesso à justiça.

Com o devido respeito à classe, a qual, orgulhosamente, já pertenci, é importante ressaltar que os profissionais da advocacia são sim indispensáveis para a administração da justiça, como bem reconheceu o legislador constituinte, mas não estão autorizados a monopolizar o direito de ação, que deve ser incondicionado.

(*) Silvio Henrique Lemos é jornalista diplomado, analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho e pós-graduado em Direito do Trabalho. E-mail: silviolemos@terra.com.br

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Contratar advogado não é despesa, mas investimento em cidadania

Quinta-feira, 25 de Junho de 2009 07:42

Por Fábio Trad (*)

Cidadão: não se deixe enganar! Quando o Estado, aqui como gênero de ente público, convida o cidadão a ingressar em juízo, postulando direitos, sem o concurso do advogado, sob o argumento de que é menos burocrático, mais ágil e abreviada a tramitação processual, tenha certeza de que você está sendo vítima de uma propaganda mistificadora atentatória a sua cidadania.

Justiça ágil, sim. Justiça célere, sim. Justiça injusta, jamais. Não se pode conceber uma prestação jurisdicional justa com partes em desequilíbrio processual.

Ainda que seja, na aparência, menos oneroso postular sem advogado nos Juizados e na Justiça do Trabalho, o fato é que, ao final, o grande prejudicado será aquele que postulou mal por falta de conhecimento técnico.

Veja, por exemplo, os efeitos deletérios da ausência de advogado na Justiça Trabalhista.

A atermação é a consequência burocrático-administrativa do jus postulandi na Justiça do Trabalho. Trata-se de expediente por meio do qual o cidadão reclama seus direitos na Justiça do Trabalho, dispensando o concurso técnico do advogado como profissional do direito.

O pretexto para a sua legitimação é a democratização do acesso à Justiça, uma vez que através dela, os mais pobres têm um canal direto com o Poder Judiciário. O intento é louvável, mas o meio escolhido para alcançá-lo merece cuidadosa reflexão para evitar-se atropelos legais.

O sistema brasileiro de justiça, embora premido por uma crônica crise estrutural, está buscando superar os impasses que reduzem a sua operosidade, notadamente o descompasso entre número de pleitos e prestações jurisdicionais e a dificuldade de acesso dos mais carentes ao Judiciário.

Neste contexto, criam-se medidas e práticas que, objetivando agilizar e democratizar o acesso ao Judiciário, acabam por atingir direitos de segmentos profissionais, especialmente dos advogados, que historicamente jamais faltaram com o país na tarefa de aprimorar as instituições democráticas.

O combate à morosidade e a busca pela democratização do acesso ao Judiciário não podem servir de esteio para a institucionalização de uma Justiça apressada, porém descomprometida com a qualidade do serviço que encarna a sua essência: a prestação jurisdicional.

Por isso, a atermação na Justiça do Trabalho, corolário do Jus Postulandi, é, na realidade, um preocupante sinal que aponta para a legitimação de nociva cultura utilitarista que, em nome de vantagens pragmáticas oriundas de soluções empíricas, relativizam, pela via da tergiversação, os preceitos normativos vigentes.

No caso específico da atermação, a contratação de um advogado não pode ser vista como obstáculo à postulação judicial, antes deve ser encarada como exercício de um direito inerente à cidadania.Sem a participação do advogado na causa, não há postulação de direitos, mas um simples arremedo de pedido, caricatura mal rascunhada de pleito improvisado, porquanto faminto de técnica e desprovido de base jurídica.

Diz o art.133 da Constituição Federal que o advogado é indispensável à administração da Justiça. Não há espaço para meio termo: ou é dispensável, ou é indispensável. O advogado é indispensável e ponto final. Tratá-lo como óbice, entrave, empecilho, obstáculo ou coisa que o valha, mesmo que sob o pretexto de democratizar o acesso à Justiça aos mais necessitados, equivale a respaldar a vantagem contingencial em detrimento da estabilidade e permanência da estrutura valorativa do Texto Constitucional.

Falho e oco, igualmente, o argumento de que os mais necessitados são os beneficiários diretos da atermação.

Primeiro, porque na advocacia trabalhista, os advogados dos reclamantes, na absoluta maioria das vezes, cobram os honorários apenas ao final da causa, de forma que a sua contratação para qualificar tecnicamente a reclamatória nada custa ao contratado.

Segundo, porque o art.5º LXXIV dispõe que é dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, de maneira que os efeitos deletérios da omissão inconstitucional do Estado não podem recair sobre os ombros dos advogados que concorrem laboriosamente para o aperfeiçoamento das instituições democráticas, inclusive e sobretudo do Poder Judiciário.

Terceiro, porque, na lição do jurista e magistrado Sérgio Pinto Martins, em verdade, "o reclamante que exerce o jus postulandi pessoalmente acaba não tendo a mesma capacidade técnica do empregador que comparece na audiência com advogado, levantando preliminares e questões processuais. No caso, acaba ocorrendo uma desigualdade processual, daí a necessidade do advogado."

A sociedade precisa compreender que é possível encontrar caminhos mais eficientes para a desburocratização da Justiça sem ter que afrontar as prerrogativas dos advogados, notadamente aquelas relacionadas a sua atividade postulatória.

Cidadãos e cidadãs de MS: diante da violação de um direito, procure um advogado. Tenha certeza de que a Advocacia é a garantia de que o seu direito será corretamente postulado.

Contratar um Advogado Trabalhista para qualquer reclamação ou defesa no Juízo do Trabalho é o meio mais eficaz para ter o seu direito respaldado em base jurídica sólida através de prestação jurisdicional qualificada.

(*) Fábio Trad é advogado militante em Campo Grande-MS e atual presidente da OAB-MS).

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